POESIA

 

 Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que й tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes sу o que sentes.

Йs feliz porque йs assim,
Todo o nada que йs й teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheзo-me e nгo sou eu.

Fernando Pessoa
 

 Comeзo a conhecer-me. Nгo existo.

Comeзo a conhecer-me. Nгo existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
ou metade desse intervalo, porque tambйm hб vida ...
Sou isso, enfim ...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor.
Fique eu no quarto sу com o grande sossego de mim mesmo.
Й um universo barato.

Бlvaro de Campos
 

 Fernando Pessoa - MAR PORTUGUКS

У mar salgado, quanto do teu sal
Sгo lбgrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mгes choraram,
Quantos filhos em vгo rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, у mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma nгo й pequena.

Quem quere passar alйm do Bojador
Tem que passar alйm da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele й que espelhou o cйu.
 

 PRIMAVERA

Na tйpida brilhante Primavera
Dentro de mim rebatem bem os sinos
Acordando desejos intestinos
No decorrer do tempo а minha espera...

O sazonal fermento sempre opera
Incutindo no corpo desatinos
Que toldam nos momentos vespertinos
A primaveril dуcil atmosfera...

As flores aromбticas abertas
Temperam no meu ser horas incertas
Por falta de lascivas emoзхes.

Como a seiva das plantas verdejantes
Os odores suaves penetrantes
Nutrem as minhas нntimas paixхes...
 

 AS TUAS MГOS

Que saudades daquelas tuas mгos!
Macias de veludo e absorventes
Provocando os desejos mais ardentes
Nos nossos corpos jovens e tгo sгos.

Nгo eram para nуs os dias vгos
Pois vivнamos sempre assaz contentes
E, а noite, tгo unidos e adjacentes
Como as escadas aos seus corrimгos.

Agora tenho fome sede e frio
Perdi a Primavera e o Estio
E o Inverno tomou conta de mim

Mas, аs vezes, o Outono ainda brilha
E me traz а memуria a maravilha
de sonhar e me crer dentro de ti!
 

 A ESPUMA QUE RESSALTA

Como quem rompe as ondas sobre o mar
Numa veloz fragata sempre а vela
Tu penetras em mim com esse olhar
Que brilha no teu rosto, flor tгo bela!

A graзa da formosa Cinderela
O andar magestoso triunfante
O rubor tгo intenso no semblante
O tremer que nos seios se revela!

A tua porta aberta que atordoa
Qual serpente que encanta ao fitar
O desejo em meu corpo amontoa!

A marй ondolosa vai tгo alta
Que no teu corpo ardente vou entrar
E me afogar na 'spuma que ressalta!
 

 Ou isto o aquilo

Ou se tem chuva e nгo se tem sol
ou se tem sol e nгo se tem chuva!

Ou se calзa a lua e nгo se pхe o anйl,
Ou se pхe o anйl e nгo se calзa a luva!

Quem sobe nos ares nгo fica no chгo,
quem fica no chгo nгo sobe nos ares.

Й uma grande pena que nгo se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e nгo compro o doce,
o compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Nгo sei se brinco, nгo sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.

Mas nгo consegui entender ainda
qual й melhor: se й isto ou aquilo

Сecilia Meireles
 

 Esta menina
tгo pequenina
quer ser bailarina.

Nгo conhece nem dу nem rй
mas sabe ficar na ponta do pй.

Nгo conhece nem mi nem fб
mas inclina o corpo para cб e para lб.

Nгo conhece nem lб nem si,
mas fecha os olhos e sorri.

Roda, roda, roda com os bracinhos no ar
e nгo fica tonta nem sai do lugar.

Pхe no cabelo uma estrela e um vйu
e diz que caiu do cйu.

Esta menina
tгo pequenina
quer ser bailarina.

Mas depois esquece todas as danзas,
e tambйm quer dormir como as outras crianзas.

Cecilia Meireles
 

 CIRCUMNAVEGAЗГO

Em volta da flor fez
a abelha
a primeira viagem
circumnavegando
a esfera

Achado o perнmetro
suicidou-se, LЪCIDA
no rio de pуlen
descoberto.

Autor: Ana Paula Tavares
 

 Cheia de vida moзa, aventureira,
Fui-me de casa um dia ... - madrugada...
Os pйs descalзos, solta a cabeleira,
As vestes duma alvura imaculada.

E fui... Corri pelo campo а desgarrada,
Comi dos negros frutos da amoreira,
Bebi аgua das fontes descuidada
Dormi no feno а chapa da torreira.

Quando voltei a casa, entгo, trazia
Na alma o sol, - a vida a palpitar
Em cada poro, a minha pele sadia.

Por isso, em verso eu gosto de cantar
A Natureza, a luz e a alegria
Da vida - a rir no bem, cantando a amar!

Autor: Maria do Cйu (Francisca do Carmelo Bettencourt)
 

 O SUL

O sol o sul o sal
as mгos de alguйm ao sol
o sal do sul ao sol
o sol em mгos de sul
e mгos de sal ao sol

O sal do sul em mгos de sol
as mгos de sul ao sol

um sol de sal ao sul
o sol ao sul
o sal ao sol
o sal o sol
e mгos de sul sem sol nem sal

Para quando enfim amor
no sul ao sol
uma mгo cheia de sal?

Autor: Ruy Duarte de Carvalho
 

 Fumando espero

Fumar й um prazer que me faz sonhar
Fumando espero aquele a quem mais quero
Se ele nгo vem, entгo me desespero
E, enquanto eu fumo, depressa a vida passa
E a sombra da fumaзa me faz adormecer

E assim sempre a sonhar, fumar, amar
Por todo instante aquele a quem mais quero
Sentir seus lбbios, beijar com desespero
Seu coraзгo bater juntinho ao meu
Sentindo entre carнcias seu corpo estremecer.

Antes de adormecer й o fumar um prazer
Dб-me, dб-me a tua boca
Beija atй que eu fique louca
Quero assim enlouquecer de prazer
Sentindo esse calor do beijo embriagador
Que acaba por prender a chama ardente desse amor!

Eugкnio Paes
 

 АS VEZES...

Аs vezes as pessoas que amamos nos magoam,
e nada podemos fazer senгo continuar nossa jornada
com nosso coraзгo machucado.
Аs vezes nos falta esperanзa.

Аs vezes o amor nos machuca profundamente,
e vamos nos recuperando muito lentamente
dessa ferida tгo dolorosa.

Аs vezes perdemos nossa fй,
entгo descobrimos que precisamos acreditar,
tanto quanto precisamos respirar...
Й nossa razгo de existir.

Аs vezes estamos sem rumo,
mas alguйm entra em nossa vida,
e se torna o nosso destino.

Аs vezes a dor nos faz chorar, nos faz sofrer,
nos faz querer parar de viver,
atй que algo toque nosso coraзгo algo simples
como a beleza de um pфr-do-sol, a
magnitude de uma noite estrelada,
a simplicidade de uma brisa batendo em nosso rosto.
Й a forзa da natureza nos chamando para a vida.

Vocк descobre que as pessoas que pareciam
ser sinceras e receberam sua confianзa,
te traнram sem qualquer piedade.

Vocк descobre que algumas pessoas
nunca disseram te amo, que outras disseram eu te amo
uma ъnica vez e agora temem dizer novamente,
e com razгo, mas se o seu sentimento for sincero
poderб ajudб-las a reconstruir um coraзгo quebrado.

Assim ao conhecer alguйm nгo deixe de acreditar no amor,
mas certifique-se de estar entregando seu coraзгo
para alguйm que dк valor aos mesmos sentimentos que vocк dб.
Certifique-se de que quando estгo juntos
aqueles abraзos valem mais que qualquer palavra.

Esteja aberto a algumas alteraзхes,
mas cuidado, pois se essa pessoa te deixar,
entгo nada irб lhe restar.

Tenha sempre em mente que аs vezes tentar salvar
um relacionamento, manter um grande amor pode ter um preзo
muito alto se esse sentimento nгo for recнproco,
pois em algum outro momento essa pessoa irб te deixar
e seu sofrimento serб ainda mais intenso
do que teria sido no passado.

Pode ser difнcil fazer algumas escolhas,
mas muitas vezes isso й necessбrio existe uma diferenзa
muito grande entre conhecer o caminho e percorrк-lo.
Nгo procure querer conhecer seu futuro antes da hora,
nem exagere em seu sofrimento, esperar й dar uma chance а vida
para que ela coloque a pessoa certa em seu caminho.

A tristeza pode ser intensa,
mas jamais serб eterna.
A felicidade pode demorar a chegar,
mas o importante й que ela venha para ficar
e nгo esteja apenas de passagem...

Autor: Luiz Fernando Verнssimo
 

 Nгo diga tudo o que sabes
Nгo faзas tudo o que podes
Nгo acredite em tudo que ouves
Nгo gaste tudo o que tens

Porque:

Quem diz tudo o que sabe,
Quem faz tudo o que pode,
Quem acredita em tudo o que ouve,
Quem gasta tudo o que tem;

Muitas vezes diz o que nгo convйm,
Faz o que nгo deve,
Julga o que nгo vк,
Gasta o que nгo pode.

Provйrbio бrabe
 

 CAMPOS VERDES

Os campos verdes, longas serras, ternos lagos
Estendem-se harmoniosos na terra tranqьila
Onde os olhos adormecem temores vagos
Acesos ternamente sob a dura argila.

Em campos verdes, longas serras, ternos lagos
Refulgem нgneas chamas, rubros rugem mares
Cintilando de уdio, com sorrisos em mil afagos

Sгo as vozes em coro na impaciкncia
Buscando paz, a vida em cansaзos seculares
Nos lбbios soprando uma palavra: independкncia!

Agostinho Neto de "Sagrada esperanзa"
 

 O Laзo de Fita

Nгo sabes crianзas? 'Stou louco de amores...
Prendi meus afetos, formosa Pepita.
Mas onde? No templo, no espaзo, nas nйvoas?!
Nгo rias, prendi-me
Num laзo de fita.

Na selva sombria de tuas madeixas,
Nos negros cabelos da moзa bonita,
Fingindo a serpente qu'enlaзa a folhagem,
Formoso enroscava-se
O laзo de fita.

Meu ser, que voava nas luzes da festa,
Qual pбssaro bravo, que os ares agita,
Eu vi de repente cativo, submisso
Rolar prisioneiro
Num laзo de fita.

E agora enleada na tкnue cadeia
Debalde minh'alma se embate, se irrita...
O braзo, que rompe cadeias de ferro,
Nгo quebra teus elos,
У laзo de fita!

Meu Deus! As falenas tкm asas de opala,
Os astros se libram na plaga infinita.
Os anjos repousam nas penas brilhantes...
Mas tu... tens por asas
Um laзo de fita.

Hб pouco voavas na cйlere valsa,
Na valsa que anseia, que estua e palpita.
Por que й que tremeste? Nгo eram meus lбbios...
Beijava-te apenas...
Teu laзo de fita.

Mas ai! findo o baile, despindo os adornos
N'alcova onde a vela ciosa... crepita,
Talvez da cadeia libertes as tranзas
Mas eu... fico preso
No laзo de fita.

Pois bem! Quando um dia na sombra do vale
Abrirem-me a cova... formosa Pepita!
Ao menos arranca meus louros da fronte,
E dб-me por c'roa...
Teu laзo de fita.

Antonio de Castro Alves
 

 Morena, morena
Dos olhos castanhos
Quem te deu, morena
Encantos tamanhos?

Encantos tamanhos
Nгo vi nunca assim
Morena, morena
Tem pena de mim

Morena, morena
Dos olhos rasgados
Teus olhos, morena
Sгo os meus pecados

Sгo os meus pecados
Uns olhos assim
Morena, morena
Tem pena de mim

Morena, morena
Dos olhos galantes
Teus olhos, morena
Sгo dois diamantes

Sгo dois diamantes
Olhando-me assim
Morena, morena
Tem pena de mim

Morena, morena
Dos olhos morenos
O olhar desses olhos
Concede-me ao menos

Concede-me ao menos
Nгo sejas assim
Morena, morena
Tem pena de mim
 

 Se йs capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor jб a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estгo todos duvidando,
E para esses no entanto achar uma desculpa;
Se йs capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, nгo mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao уdio te esquivares,
E nгo parecer bom demais, nem pretencioso;
Se йs capaz de pensar - sem que a isso sу te atires;
Se encontrando a desgraзa e o triunfo conseguires
Tratar da mesma forma a esses dois impostores;
Se йs capaz de sofrer a dor de ver mudadas
Em armadilhas as verdades que disseste,
E as coisas, por que deste a vida, estraзalhadas,
E refazк-las com o bem pouco que te reste;
Se йs capaz de arriscar numa ъnica parada
Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
Resignado, tornar ao ponto de partida;
De forзar coraзгo, nervos, mъsculos, tudo
A dar seja o que for que neles ainda existe,
E a persistir assim quando, exaustos, contudo
Resta a vontade em ti que ainda ordena: "Persiste!";
Se йs capaz de, entre a plebe, nгo te corromperes
E, entre reis, nгo perder a naturalidade,
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
Se a todos podes ser de alguma utilidade,
E se йs capaz de dar, segundo por segundo,
Ao mнnimo fatal todo o valor e brilho,
Tua й a terra com tudo o que existe no mundo
E o que mais - tu serбs um homem, у meu filho!

"Если..." Р.Киплинга на португальском.
 

 Soneto da Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivк-lo em cada vгo momento
E em seu louvor hei-de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angъstia de quem vive
Quem sabe a solidгo, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive) :
Que nгo seja imortal, posto que й chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinнcius de Moraes
 

 Soneto da Separaзгo


De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mгos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a ultima chama
E da paixгo fez-se o pressentimento
E do momento imуvel fez-se o drama.

De repente, nгo mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo prуximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, nгo mais que de repente.

(Vinicius de Moraes)
 

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